Lendo Joaquim Maria Machado de Assis #2
Contos Fluminenses (1870)
Luís Soares
Neste segundo conto, desponta um aspecto que mencionei brevemente na análise anterior: o retrato de classe. A narrativa aborda as “desventuras” e “dissabores” de uma classe abastada.
“- Não lia jornais. Achava que um jornal era a coisa mais inútil deste mundo, depois da Câmara dos Deputados, das obras dos poetas e das missas. Não quer isto dizer que Soares fosse ateu em religião, política e poesia. Não. Soares era apenas indiferente. Olhava para todas as grandes coisas com a mesma cara com que via uma mulher feia. Podia vir a ser um grande perverso; até então era apenas uma grande inutilidade".
Logo na introdução, temos uma descrição clara de nosso personagem: “Soares era indiferente”. Ele é alguém que vive à toa, sem vínculos com questões públicas, arte ou religião. Trocava o dia pela noite e não se importava com nada. Ou seja, não tinha carreira, não tinha família e não criava nada. Nas palavras do proprio: “não tinha coisa nenhuma dentro do peito nem dentro da cabeça”, juízo e sentimento são um verdadeiro mistério para Luis soares.
Se trata de uma pessoa que não está inserida na dinâmica social, nos prazeres gregários, nas relações interpessoais ou nos ofícios possíveis para um profissional. As linhas seguintes, ainda trazem mais detalhes sobre a vida desse personagem: “Graças a uma boa fortuna que lhe deixara o pai, Soares podia gozar a vida que levava, esquivando-se a todo o gênero de trabalho e entregue somente aos instintos da sua natureza e aos caprichos do seu coração.”
Como herdeiro de uma boa fortuna, Soares não precisava se preocupar com um bom casamento, carreira política ou profissão. E como então essa narrativa se desenrolaria se nosso personagem já tem a “vida feita”? Bom, acontece que o ele é o pródigo, um gastador, um perdulário. Logo:
“Achou-se, portanto, pobre quando menos o esperava.(...) Pela primeira vez na sua vida Soares sentiu uma grande comoção. A idéia de não ter dinheiro nunca lhe havia acudido ao espírito; não imaginava que um dia se achasse na posição de qualquer outro homem que precisava de trabalhar.”
A primeira emoção verdadeira que Soares sente é o medo de perder sua apatia. E assim, a historia começa, já temos total noção da personalidade e das ambições do personagem, e principalmente, o objetivo que ele precisa cumprir que seria a manutenção de seu estilo vida. A maneira que o conto se sucede é bem simples: tem o personagem do tio Major Luís da Cunha Vilela que “era um velho alegre e severo ao mesmo tempo. Gostava de rir, mas era implacável com os maus costumes.”, e poderia lhe arranjar uma carreira.
Uma sobrinha (sempre) e uma velha parenta. Localizados no bairro do Catumbi. E a localização é sempre um detalhe que vale a pena reforçar, pois se trata de zona central da cidade do Rio de Janeiro que é: "Um dos bairros mais antigos da cidade, nele havia tanto chácaras senhoriais, quanto residências e estabelecimentos comerciais da pequena classe média” (Machado de Assis.net, 2024).
Luis soares, agora tinha oportunidade de se tornar “gente” através da famosa “pexada’. Um emprego, uma família, começar a levar a vida a sério para tornar-se Homem. Curioso, esses parâmetros sobre um individuo que é socialmente considerado “alguém” e os caminhos “tortuosos” para consegui-lo. Porém, essa não é uma narrativa de como o protagonista se tornou uma pessoa responsável, eis o que se passa: “Aquilo na existência de Soares não passava de um parêntesis mais ou menos extenso. Almejava por fechá-lo e continuar o período como havia começado, isto é, vivendo com Aspásia e pagodeando com Alcibíades.”
(Aspásia (século V a.C.) foi amante de Péricles, governante de Atenas. Era célebre pela beleza e pelo espírito. Machado de Assis.net, 2024 )
(Alcibíades (450-404 a.C.), rapaz de rara beleza e de família da elite ateniense, foi discípulo de Sócrates. Dotado de brilhantes qualidades e destacando-se por sua coragem no campo de batalha, cometeu inúmeros desregramentos por causa de sua personalidade extravagante. Machado de Assis.net, 2024)
O tio, até tenta representar essa figura paternalista, e admoestar o rapaz para um caminho onde possa seguir uma carreira na política, se especializar na história do parlamento e principalmente “que continue a ser um rapaz sério”. No decorrer dos contos, acho que essa é uma temática que é bastante comum nos textos do Autor, a questão do se tornar uma pessoa séria, e os aspectos que permeiam isso, carreira, família e etc.
Bom, Soares já tem uma carreira, agora lhe falta a família. Entra em cena a pretendente:
“A prima Adelaide tinha vinte e quatro anos, e a sua beleza, no pleno desenvolvimento da sua mocidade, tinha em si o condão de fazer morrer de amores. Era alta e bem proporcionada; tinha uma cabeça modelada pelo tipo antigo; a testa era espaçosa e alta, os olhos rasgados e negros, o nariz levemente aquilino. Quem a contemplava durante alguns momentos sentia que ela tinha todas as energias, a das paixões e a da vontade.”
Porém, apesar de sua beleza, outro aspecto que é citado por Machado é a frieza da personagem, isso porque ela já amara o primo antes e não foi correspondida por ele. E esse conto ilustra uma espécie de apreciação que dependente de um certo status social, pois o Soares não se interessa por Adelaide devido: “os bens de Adelaide são a quinta parte dos meus; para ela é negócio da China; para mim é um mau negócio.”
Adelaide acaba tomando conhecimento da visão do primo, e passa a despreza-lo a partir daí, colocando por terra qualquer possibilidade dessa relação de alguma forma florescer. Ainda que seja da vontade do tio, não por ter algum benefício direto disso, e nem por alguma estima pelos personagens, mas simplesmente por perpetrar uma certa ideia de homem sério e de sucesso. Ainda assumindo uma figura paterna tenta aconselhar o sobrinho:
“(...). Lá fogos ardentes, meu rico sobrinho, são coisas que ficam bem em verso, e mesmo em prosa; mas na vida, que não é prosa nem verso, o casamento apenas exige certa conformidade de gênio, de educação e de estima.”
E nesse momento talvez Machado construa o caráter moral do seu conto, pois, logo se surge a situação de um amigo próximo do falecido pai de Adelaide, com uma herança, e que tinha como condicional o casamento da moça. Parece que tudo se encaminharia para o sucesso de Soares, porém, a prima demonstra altivez e ainda com a mudança de postura do primo, ela já está certa de sua decisão e consegue convencer o tio que seu pupilo é um sujeito “mau caráter”.
Por fim, a família vai aproveitar a Europa, sem Soares. E apesar do condicional para herança, Adelaide acaba ganhando assim mesmo o seu beneficio devido o reconhecimento do tio. E a narrativa se conclui com o seguinte quadro do personagem: "Abandonado, pobre, tendo por única perspectiva o trabalho diário, sem esperanças no futuro, e além do mais, humilhado e ferido em seu amor próprio, Soares tomou a triste resolução dos covardes. Um dia de noite o criado ouviu no quarto dele um tiro; correu, achou um cadáver.”
Esse conto, já apresenta talvez um desenlace mais corrido, sua intenção talvez esteja muito mais em criar esse caráter moral do que desenvolver alguma profundidade em relação a personagem e suas relações. Outro ponto que acho interessante pensando no todo da obra machadiana, seria como justamente essa construção moral, a partir da descrição da imagem de um sujeito como inútil, se dá nos aspectos de um sucesso de uma vida política, casamento e no trabalho. Não creio que um Luis Soares esteja muito distante de um Brás Cubas.
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