Conto ou prosa #1
Lendas e assombrações de Belém foi um livro bastante popular no momento que saiu, na vila onde eu morava durante um bom tempo as crianças se reuniam para ouvir as velhas contando as historias que estavam no livro. Uma dessas historias já havia ouvido antes, era a historia da "mulher do taxi", a premissa é simples, uma moça passeia de taxi no dia do seu aniversario, ao final da corrida, sem dinheiro, informa o endereço ao motorista onde pode cobrar, ao chegar lá é recebido pelos pais da moça que informam que ela já havia morrido há muito tempo. A historia tem variações comuns de tradição oral, mas no geral não foge muito desse esquema.
Alguns anos depois eu iria adquirir esse livro, o autor Walcyr Monteiro reune varios relatos da historias e traz algumas fotos como a da sepultura de Josephina Conte, a proposta é reunir essa tradição oral, e construir a partir dessas varias versões, uma versão "definitiva". É um trabalho bastante interessante, talvez falta um rigor mais academico, porém o tom do livro é perfeito para se reunir e relembrar essas historias.
Como um exercicio de escrita, me propus a repensar a historia da mulher do taxi, porém como todas as versões dela, a gente sempre ouve pelo ponto de vista dos motoristas, então pensei a historia partindo do ponto de vista de Josephina Conte, segue o conto:
Há uma dificuldade de comunicação, eu sempre achei que não
conseguia me expressar com meus pais, eles são pessoas mais velhas, de outra
geração e por isso nunca conversamos tanto, mas algo fora do comum tem
acontecido, e sinto como se não estivesse lá. Talvez seja o que as pessoas
chamam de vida adulta, dias fazendo as mesmas coisas, os mesmos percursos,
vendo as mesmas pessoas, as mesmas frustrações e os mesmos pequenos prazeres.
Entre Quintino e Rui Barbosa, eu já nem precisava falar para o motorista, ele
simplesmente me levava e finalmente o cemitério, mas o que eu vim fazer aqui?
Eu simplesmente venho e depois simplesmente vou.
É a tal da rotina talvez? Eu deveria fazer algo diferente, mas sinto que as
outras pessoas também estão presas nisso, sinto que as outras pessoas se
acostumaram em viver dessa forma, como almas penadas vagando.
Hoje foi meu aniversário, ou será que é amanhã? Me sinto tão sozinha, eu
costumava gostar de passear pela cidade, mas ultimamente já não a reconheço as
ruas e tudo parece tão estranho para mim. Eu me sinto uma estrangeira, na minha
terra natal. Eu tento puxar conversa com motorista, mas como eu vim parar nesse
taxi? Ele não me ouve, para onde ele está me levando? Eu não reconheço mais
essa rua, eu deveria tentar fugir? Será
que eu vou morrer? Eu tenho a estranha
sensação que não posso fugir, estou de alguma forma presa, não, meu aniversário
não é hoje, meu aniversário foi ontem.
Acho que eu entendi, talvez isso seja um sonho, eu li uma vez que diferença
entre sonho e pesadelo, é basicamente que em um pesadelo, temos a sensação de
estar presos, de não conseguir sair da situação de perigo, da situação ruim.
Talvez, isso seja um pesadelo. Eu fugiria se estivesse em perigo, não fugiria?
Eu teria uma chance, não teria? Afinal, ele ao menos percebe que estou
chorando?
Entrei no carro, gostaria de voltar pra casa, mas vou para algum lugar, que
lugar? Me espanto e já estou de novo na minha rotina, fazendo as mesmas coisas
de sempre, repetidas vezes, e meus pais de novo não falam comigo, eu sou apenas
a menina bonita que eles orgulhosamente exibem na sala. Tenho a estranha sensação
de que esqueci alguma coisa, será que paguei o taxi? me enganei, meu
aniversário é só semana que vem.
E o exemplar do livro era meu
ResponderExcluirCaramba! eu não sei o que me deixa mais surpreso, entre em contato, chama no direct !
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