Tradução 1

O ano de 2022 foi marcante na minha cinefilia principalmente pela incursão no cinema de Michelangelo Antonioni, em especial em  A aventura (1960), intrigado por todo e qualquer material relacionado ao filme, encontrei pelos mares pseudo-obscuros da internet o livro: "Michelangelo Antonioni- The Architecture of vision: Writings and interviews on cinema ( 2007, University of Chicago)".  Meu foco foi ir direto ao capitulo L´avventura: The Adventures of L´avventura, e encontrar um relato que eu já tinha ouvido de forma resumida pela boca de Monica Vitti nos extras do dvd, porém com mais detalhes e de certa forma uma impressão profunda sobre o sentimento do filme. Gostaria de compartilhar esse texto, como forma de fomentar o debate sobre esse filme, segue a tradução da tradução: 


As aventuras da L`aventura (7 "Le avventure dell'Aventura," from Carriere della Sera, 31 May 1976. Translated by Allison Cooper.)

Há muitos jeitos de falar sobre um filme, e muitas pessoas que podem fazer isso. Críticos, escritores, filósofos, psiquiatras, espectadores, até pintores e arquitetos. Mas há apenas um jeito para o autor fazer isso: falar de si mesmo. Isso pode ser fácil ou difícil. Para mim é impossível. Além do mais, eu estou convencido que tudo o que o diretor diz sobre si mesmo ou sobre seu trabalho não ajuda em nada no entendimento do trabalho em si-  especialmente se isso é sobre um filme antigo. E então uma história episódica de o que aconteceu nas filmagens, durante a gravação, é melhor. Talvez seja mais esclarecedor, não obstante (por mais que) fragmentário e incompleto. Isso é como os filmes são feitos?

Não, não assim. Mas isso é o que como era no tempo do Lavventura. Eu posso começar com o tornado, e como- quando eu vi ele chegando, vistoso sobre o oceano, desaparecendo (vanishing up) acima como um cogumelo muito alto com seu chapéu perdido nas nuvens- eu gritei para o câmeraman para pegar a câmera imediatamente e filmar. Mas Monica Vitti estava com medo; então, um dos pescadores que estava trabalhando para nós disse a ela que ele sabia como rasgar o tornado. Seu pai tinha dado a ele as palavras magicas, na igreja, em uma noite de natal anos atrás.  E de fato, quando ele pronunciou elas, o tornado desapareceu. E eu estava bravo porque aquele tornado era exatamente o que eu precisava- um impressionante material plástico, para converter o mistério da ilha. E no dia seguinte eu queria demitir o pescador, mas eu não podia fazer isso. Ele tinha colocado um curativo ao redor de sua cabeça para proteger  do vento a bochecha que estava inchada como um balão- uma repentina dor de dente que foi um castigo divino porque o pescador tinha tomado o lugar de Deus ao dissipar o tornado.

Mas talvez eu deveria especificar que tudo isso que estava acontecendo em Panarea, nas ilhas Eólicas, e que todas as manhãs nós íamos de barco para filmar nas rochas chamadas Lisca Bianca, 20 minutos de Panarea. Quando o oceano estava calmo você podia ver sopros de nevoa saindo da água e dissolvendo em muitas pequenas bolhas sulfurosas. Mas nunca foi calmo. Sempre foi tormentoso. Nessa pequena viagem para ir a Lisca Bianca nós estávamos   literalmente arriscando nossas vidas. Eu acredito que comecei a odiar ele, aquele mar.

Os transatlânticos suspenderam seus serviços, e nós estávamos comendo alfarroba e biscoitos mofados. Havia coelhos selvagens na ilha, mas eles estavam doentes. Sem cigarro, nem mesmo paga.  Em certo ponto os trabalhadores entraram em greve e decidiram voltar à Roma, mas eles não poderiam ir enquanto os transatlânticos não retomassem o serviço. Nós fomos forçados a contratar outros, que deveriam vir no mesmo barco. Isso aconteceu, se eu não estiver errado, a quase um mês depois. Mas os dois grupos se encontram no barco, e quando o segundo grupo soube pelo primeiro como as coisas estavam, eles nem queriam desembarcar. Havia seis ou sete de nós deixados para trás:  os atores, o câmera, o diretor de produção, e meus assistentes.

Nós tivemos que aprender a carregar câmeras e luzes nos nossos ombros e a construir plataformas acima do oceano. Uma noite nos impediu de retorno para Panarea e nós fomos forçados a acampar nas rochas. Enquanto nós estávamos tentando embarcar, uma onda arrancou uma das jangadas de suas amarras e empurrou-a para o mar com dois homens dentro. Eu passei a noite assistindo esse inferno que era o mar, com o pesadelo daqueles dois à sua mercê. Eu podia ouvir as ondas batendo contra as pedras e podia ver seus sprays(?), iluminados pela lua, vindo quase até mim, em um salto de quase oito metros. A jangada foi recuperada ao amanhecer, com os dois homens exaustos. O céu estava claro, o sol brilhava e o mar um pouco mais calmo.

Eu também me lembro a travessia para ir a Lipari para visualizar os juncos, depois de dois meses de gravação. Nós assistimos as ondas vindo em nossa direção como se nós estivéssemos no fundo de um vale, e parecia impossível que um pequeno barco como o nosso pudesse escalar sobre elas. Mesmo assim, conseguimos onda atrás de onda, como um carro fazendo curvas.
Nós vimos os juncos. Para mim parecia terrível.
De Panarea você pode pelo menos telefonar ( para o continente). Havia dois rádios, receptor e transmissor, sobras americanas da guerra. O motor que abastecia eles com energia era um daqueles de manivela, como carro antigo. O carteiro (postal worker) {que operava} sempre tinha seu braço em uma tipoia; ele poderia quebrar dando partido o motor. Mas quando ele estava bem você podia usar o rádio e se comunicar.  Acontecia que quem tinha um rádio portátil na ilha poderia sintonizar a transmissão de onda e ouvir a conversa. Desse jeito, o humor de todos circulou pelo ar. As pequenas ruas de Panarea estavam repletas com frases amáveis a todo volume. Ou com insultos. Tal como a minha para Roma por levar tanto tempo para encontrar um novo produtor.

O primeiro tinha desaparecido com os primeiros problemas, e não havia mais ninguém nos apoiando. Mas eu não me importava. Eu tinha vinte mil metros de filme comigo, eu poderia continuar filmando. Eu estava preocupado com outro problema: Como eu poderia contar a verdade sobre o filme e manter as outras verdades- que fervilhavam nas margens, que estavam empurrando com tanta força- silencio? Ponderando um conjunto de verdades contra outra?

Naturalmente eu preferia ter escondido minhas preocupações e meu descontentamento de meus colegas de trabalho- O desanimo que eu estava sentindo por estar sendo forçado a impor esse jeito absurdo de viver e trabalhar a eles. Se isso era cinema, o que era cinema?

Alguns filmes eram suaves e outros filmes eram amargos; alguns são luz e outro são dor. L` avventura é um amargo, frequentemente um filme doloroso. É a dor dos sentimentos que chega ao fim, ou em que você tem um vislumbre do fim no mesmo momento quando eles estão nascendo. Tudo isso é recontado na linguagem que eu tenho tentado manter livre de efeitos. Eles dizem que o filme é “articulado em um ritmo distendido, em relação de espaço e tempo que adere a realidade”. Esses não são minhas palavras. Eu tenho muito poucas palavras em minha disposição com o que dizer dessas coisas. Eu vou dar um exemplo.
Depois vendo o filme, todo mundo pensa: O que de fato aconteceu com Anna?
Havia uma cena no roteiro- que foi mais tarde cortada, eu não lembro porque- em que Claudia, amiga de Anna, está com outros amigos na ilha. Eles estão fazendo todas as possíveis especulações sobre o desaparecimento da garota. Mas não há respostas. Depois de um momento de silencio, um diz: “ Talvez ela simplesmente afogou. ” Claudia de repente vira para ele: “ simplesmente? ” Eles todos olham uns para outros, consternados.
é isso.  Essa consternação é o sentido do filme.






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